sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Tabu pirata (2007)


Download de filmes e livros para uso privado não é crime


MANOEL ALMEIDA
Email: manoelalmeida.adv@gmail.com


RESUMO
O presente ensaio objetiva elucidar aspectos da legislação que protege o Direito Autoral a partir da análise de conceitos falaciosos e ideológicos propagados na mídia sobre “pirataria”. A indústria difunde, insistentemente, ser “proibida a cópia parcial ou integral” de seus produtos, com base no art. 184 do Código Penal, artigo este que diz exatamente o contrário: não é crime “a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto” (§ 4º). 

PALAVRAS-CHAVE
Copyright. Direito autoral. Download. Internet. Pirataria.

SUMÁRIO
Introdução. 1. Da Reserva Legal. 2. Da Publicidade Enganosa. 3. Da Invasão de Privacidade. 4. Considerações Finais. 5. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO
 Apesar de fazer parte do cotidiano dos brasileiros de todas as classes sociais, a “pirataria” ainda é fonte de muitos erros, tabus e mistificações. Confundem-se atividades tão distintas quanto a clonagem em larga escala de produtos patenteados, para comércio não autorizado, e a simples cópia doméstica desses mesmos produtos para compartilhamento entre particulares.

Divulga-se ser crime toda utilização de obra intelectual sem expressa autorização num país onde até o presidente da República confessa fazer uso de cópias “piratas”. Comparam-se cidadãos de bem a saqueadores sanguinários do século 18.

 Os detratores se fundamentam, invariavelmente, no Título III do Código Penal Brasileiro, Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial, artigo 184, que trata da violação dos direitos de autor e os que lhe são conexos.

 São comuns assertivas do tipo “é proibida a reprodução parcial ou integral desta obra”, “este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído”, “pirataria é crime”, “denuncie a falsificação”. É proibido, ainda, “editar”, “adicionar”, “reduzir”, “exibir ou difundir publicamente”, “emitir ou transmitir por radiodifusão, internet, televisão a cabo, ou qualquer outro meio de comunicação já existente, ou que venha a ser criado”, bem como, “trocar”, “emprestar” etc., sempre “conforme o artigo 184 do Código Penal Brasileiro”.
Não é esta, todavia, a verdadeira redação do artigo. Omitem a expressão “com intuito de lucro”, enfatizada pelo legislador em todos os parágrafos (grifou-se):
Art. 184, § 1o. Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.[1]
 
Tanto o objeto da proibição é “o intuito de lucro”, e não simplesmente a cópia não autorizada, que CDs, VCDs, DVDs ou VHSs não poderão ser exibidos ao público, sem autorização expressa, mesmo sendo originais.

1- DA RESERVA LEGAL
Se o comércio clandestino (camelôs, estabelecimentos comerciais e sites que vendem cópias não autorizadas) é conduta ilegal, o mesmo não se pode afirmar sobre cópias para uso privado e o download gratuito colocado à disposição na internet. Só é passível de punição:
Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente.[2]

Contrario sensu, é permitida a cópia integral de obra intelectual, sem autorização do detentor do direito autoral, desde que não se vise lucro, seja direto, seja indireto, mas é proibida a cópia não autorizada, mesmo parcial, para fins lucrativos. Assim, não comete crime o indivíduo que compra discos e fitas piratas, ou faz cópia para uso próprio; ao passo que se o locador o fizer poderão configurar-se violação de direito autoral e concorrência desleal.
Pelo Princípio da Reserva Legal, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia fixação legal[3], a cópia integral não constitui sequer contravenção. No Brasil, quem baixa arquivos pela internet ou adquire produtos piratas em lojas ou de vendedores ambulantes não comete qualquer ato ilícito, pois tais usuários e consumidores não têm intuito de lucro. 

O parágrafo segundo do artigo supracitado reforça o caráter econômico do fato típico na cessão para terceiros:
Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.[4]
E assim seguem os parágrafos subseqüentes. Todos repetem a expressão “com intuito de lucro direto e indireto”, expressão esta, como visto, que desaparece sempre que a lei é invocada na defesa dos interesses da Indústria.
Mais coerente seria denominar pirata apenas as cópias feitas com intuito de lucro, direto ou indireto. Este último, diferentemente da interpretação apressada dos profanos, no afã de imputar o consumidor, não é a economia obtida na compra de produtos ilegais. Ocorre lucro indireto, sim, quando gravações de shows são exibidas em lanchonetes e pizzarias, ou executa-se som ambiente em consultórios e clínicas, sem que tal reprodução, ainda que gratuita, fosse autorizada. A cópia não é vendida ou alugada ao consumidor, mas utilizada para promover um estabelecimento comercial ou agregar valor a uma marca ou produto[5].
A cópia adquirida por meios erroneamente considerados ilícitos para uso privado e sem intuito de lucro não pode ser considerada pirataria; sendo pirataria, então esta não é crime.

2. DA PUBLICIDADE ENGANOSA
As campanhas antipirataria são cada vez mais intensas e agressivas e os meios de comunicação (muitos dos quais pertencentes aos mesmos grupos que detêm o monopólio sobre o comércio e distribuição de músicas e filmes) cumprem seu papel diário de manter a opinião pública desinformada.
Nenhum trecho de livro poderá ser reproduzido, transmitido ou arquivado em qualquer sistema ou banco de dados, sejam quais forem os meios empregados (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros), salvo permissão por escrito, apregoam a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR) e as editoras. De fato, na quase totalidade das obras impressas, o leitor depara-se com avisos deste tipo: “Todos os direitos reservados; nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios sem permissão escrita da editora; os infratores serão processados na forma da lei.”
Novamente, não é o que a legislação estabelece. O artigo 46 da Lei dos Direitos Autorais impõe limites ao direito de autor e permite a reprodução, de pequenos trechos, sem consentimento prévio. E o parágrafo quarto, acrescentado pela Lei n° 10.695 ao artigo 184 do Código Penal Brasileiro, Autoriza expressamente a cópia integral de obras intelectuais, em único exemplar, ficando dispensada, pois, a “expressa autorização do titular”:
Não constitui crime “quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos” nem “a cópia em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto."[6]
Ao mesmo tempo em que fatos são distorcidos, são omitidas as inúmeras vantagens de livros e revistas digitalizados, como seu baixo custo de produção e armazenamento, seus benefícios ecológicos e a enorme facilidade de consulta que o formato proporciona.
Seguindo a cartilha da administração Bush, órgãos como a Federação dos Editores de Videograma (Fevip) e o Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) foram ainda mais longe ao associar todos os “piratas” às quadrilhas de crime organizado e ao terrorismo internacional. Também essas entidades ignoram, olvidam ou omitem que o lucro seja fator determinante para tipificação da conduta ilícita.[7]

O ápice, até o momento, dessa verdadeira Cruzada antipirataria foi atingido com a campanha mundial da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi) divulgada maciçamente nas salas de cinema, fitas e DVDs (inclusive piratas). O video clip intercala diversas cenas de furto com as seguintes legendas: “Você não roubaria um carro”. “Você não roubaria uma bolsa”. “Você não roubaria um celular”.
Atores furtando uma locadora e comprando filmes de um camelô antecedem a acintosa pergunta: “Por que você roubaria um filme?”. O silogismo é barato e a conclusão, estapafúrdia: “Comprar filme pirata é roubar. Roubar é crime. Pirataria é crime!”.
Repita-se: comprar filme pirata é conduta atípica. E mesmo se fosse crime, não seria “roubo”. As cenas da própria campanha, conforme dito, são simulações pífias de furtos, não de roubos. Na definição do Código Penal Brasileiro, em seu artigo 157, roubar é subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça, violência ou outro meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima.[8]
A premissa “comprar filme pirata é roubar” é despida de qualquer sentido e de fundamentação legal, tratando-se de propaganda falsa, caluniosa e abusiva, sujeita a sanções do Conar [9] e persecução criminal. Veja-se os arts. 138 e 37 do Código Penal e do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, respectivamente:
Calúnia: Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.[10] 

É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa.[11]

Portanto, se houver crime é o perpetrado pela abominável campanha, que por sua vez vem somar-se a outros embustes, como o criado pela União Brasileira de Vídeo (UBV), de que produtos piratas danificariam os aparelhos, quando na verdade quem os danifica é a própria indústria ao instalar códigos de segurança que tentam impedir cópias.
Além de travas como a video guard, instaladas pelos titulares do direito de reprodução dito “exclusivo”, manifestamente danificarem a integridade física dos aparelhos, afrontam o art. 184 supracitado. Quem adquire um produto tem o direito de fazer uma cópia de segurança (backup), até porque ainda não se sabe qual a vida útil desses produtos.[12] Os fabricantes que, sob qualquer pretexto, obstam o exercício desse direito cometem ato ilícito.
Ademais, se quem compra produtos piratas estaria sendo “enganado”, “lesado”, é vítima, não “ladrão”. E se gravações de discos e fitas caseiros de fato provocassem danos, os mesmos seriam causados pelas mídias virgens legalmente vendidas pelas gigantes Sony, Basf, Samsung, Philips etc. e utilizadas pela população, nela incluídos os piratas.

3. DA INVASÃO DE PRIVACIDADE
Na guerra contra os piratas vale tudo: intimidação, propaganda agressiva e incitação a delações, táticas coercitivas típicas de regimes autoritários. Outro episódio audacioso, senão ilegal, foi recentemente protagonizado pelo maior fabricante de softwares do mundo, que em 2005 lançou o WGA, sigla para Windows Genuine Advantage, programa que monitora a autenticidade do sistema operacional Windows.

Por esse sistema de checagem de veracidade via internet, a Microsoft entra no computador do usuário, coleta informações como quem produziu a máquina, o número de série do disco rígido e a identificação do sistema Windows. Se a cópia do Windows for ilegal, o usuário passa a receber alertas diários, sempre que liga sua máquina. Assim, a empresa faz um check up diário de suas máquinas. Essa abertura de comunicações tem alarmado os usuários, que dizem ser uma quebra nos padrões de privacidade e confiança. O assessor de mídia da Microsoft, Jim Desler, insiste que checagem de pirataria não é espionagem.[13]

Se isso não é espionagem, o que é espionagem, então? O WGA não é outra coisa senão um spyware, programas que se instalam no computador a fim de coletar dados do usuário, como senhas e arquivos. Não à toa, a Microsoft responde a ações federais nos EUA, acusada de violar leis de software.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O compartilhamento de arquivos entre internautas, sem fins lucrativos, ainda não é crime no Brasil, mas pode vir a se tornar, dados o poderoso lobby e as pressões políticas e econômicas internacionais, principalmente dos EUA e Reino Unido, onde usuários já são julgados por downloads não autorizados.
No Brasil, anualmente, a pirataria causaria prejuízo aos cofres públicos na ordem de R$ 160 bilhões, e a União dos Fiscais da Receita (Unafisco) calcula que o fim da pirataria representaria a criação de até 2 milhões de empregos no país. Não se sabe a metodologia adotada e que permitiu chegar a esses resultados. Afinal, a base de cálculo é o que o comércio ilegal arrecada ou o preço do produto original cuja venda teria sido prejudicada? Ora, o simples fato de um comprador optar por um produto inferior não significa que ele pagaria dez vezes mais pela marca original, caso não tivesse opção. Portanto, o que os piratas lucram não é necessariamente o que a indústria perde. Os respectivos públicos são de classes bem distintas.
Mas se depender de entidades como a Adepi, em breve o desavisado que exercer sua liberdade de escolher um produto acessível poderá ser preso em flagrante, acusado de receptação, simplesmente por usar a imitação de alguma grife famosa ou por vestir a réplica da camisa oficial de seu clube preferido.
Em que pesem as falsificações de ambas as partes, é inegável a necessidade de tutela dos direitos autorais. São evidentes, entre outros, tanto o dano causado pela usurpação de um nome em cópias de má qualidade quanto o que sofre o autor cuja obra é fielmente reproduzida, mas sem que lhe seja dado o devido crédito.
A verdadeira pirataria moderna, enfim, precisa mesmo ser combatida. Mas que o seja dentro dos limites éticos e legais. O download gratuito de livros virtuais nada mais é que uma nova versão do sagrado, universal –e lícito– empréstimo de livros e revistas, de forma mais rápida, econômica e segura, multiplicando exponencial e democraticamente o acesso à cultura e a difusão do conhecimento.
É princípio fundamental no direito que o interesse público ou social deva prevalecer sobre o interesse particular. E, de resto, a propriedade, intelectual inclusive, “deve cumprir sua função social” (art. 5°, XXIII, da Constituição da República).


Revista Consultor Jurídico (agosto de 2007)
Revista Jurisvox (setembro de 2007)
 





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 13 jul. 2007.
______. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9610.htm>. Acesso em: 04 ago. 2007.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
______. Lei nº 10.695, de 1° de Julho de 2003. Altera e acresce parágrafo ao art. 184 e dá nova redação ao art. 186 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, alterado pelas Leis nos 6.895, de 17 de dezembro de 1980, e 8.635, de 16 de março de 1993, revoga o art. 185 do Decreto-Lei no 2.848, de 1940, e acrescenta dispositivos ao Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.695.htm>. Acesso em: 13 jul. 2007.
CPI DA PIRATARIA. Relatório Final. Disponível em: <http://www.s2.com.br/s2arquivos/345/multimidia/56Multi.pdf>. Acesso em: 24 maio 2007.
TOGNOLLI, Claudio Júlio (com informações do site Find Law). Microsoft é processada por invadir computadores atrás de piratas. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 9 de agosto de 2006, passim. Disponível em:  <http://conjur.estadao.com.br/static/text/47155,1>. Acesso em: 9 ago. 2006.
ADEPI. Como identificar a Pirataria. Disponível em: <http:// www.adepi.org.br> Acesso em: 15 jul. 2007.



              NOTAS DO AUTOR
1. BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal Brasileiro. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 13 jul. 2007.
2. Ibdem, art. 184, § 1º.
3. O princípio “nullum crimen nulla poena sine lege” é cláusula pétrea da nossa Constituição (art. 5°, inciso XXXIX; c/c o § 4º, inciso IV, do art. 60) e fundamento do Código Penal Brasileiro (art. 1°).
4. BRASIL. Decreto-lei no 2.848/40, op. cit., art. 184, § 2º.
5. O lucro indireto também é bastante comum no comércio de computadores. O empresário incrementa suas vendas instalando programas sem a devida licença do fabricante. Essa instalação não tem qualquer ônus para o cliente, mas sem dúvida ajuda a empresa na conclusão dos negócios.
7. Na verdade, o comércio não é fator determinante. Basta o intuito (o dolo), independentemente de lucro.
8. Simplificou-se a redação original do artigo porque, além de pouco fluente, apresenta uma ambigüidade no verbo haver: “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”. O pronome oblíquo pode se referir tanto à pessoa quanto à coisa móvel.
9. Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária. “Organização não-governamental que visa impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas.”
10. BRASIL. Decreto-lei no 2.848/40, op. cit., art. 138.
11. BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do Consumidor e dá outras providência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 13 jul. 2007.
12. “O prazo de validade do disco DVD é indeterminado desde que observados os seguintes cuidados: Armazenar em local seco, livre de poeira, não expor ao sol, não riscar, não dobrar, não engordurar, não manter a uma temperatura superior a 55ºC, ou umidade acima de 60gr/m3 e segurar o disco pela lateral e furo central.”
13. TOGNOLLI, Claudio Júlio (com informações do site Find Law). Microsoft é processada por invadir computadores atrás de piratas. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 9 de agosto de 2006, passim. Disponível em:  <http://conjur.estadao.com.br/static/text/47155,1>. Acesso em: 9 ago. 2006.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Mr. president (2003)

George,

Não tenho dúvidas de que você seja um homem obstinado. Ironicamente, sua obstinação conduz à concretização pelos próprios americanos da ameaça dirigida a vocês pelo inimigo dito ensandecido, que não chegou a consumá-la: “Se os EUA usarem ataques aéreos contra nós, o que aconteceu no 11 de Setembro parecerá um piquenique”. Pois com a mesma perplexidade que testemunhou os atentados em NY, o mundo assistiu aos ataques sobre Bagdá, com a promessa do Pentágono de que o pior ainda está por vir.

Você tem consciência de que essas ameaças só acirram os sentimentos que levaram tanta violência à sua porta? Do risco de fazer com que mais civis americanos, nenhum tão protegido quanto você, se tornem alvo de novos ataques em todo o mundo? Compreendo que dificilmente outro tipo de ação atrairia a atenção das câmeras e holofotes para sua pessoa. Principalmente depois do caos de 11 de setembro. Talvez você ainda nos arraste à próxima Guerra Mundial. Muito bem. Mas quando você afirma que esse derramamento de sangue é o caminho para a “paz mundial” acredita mesmo em suas próprias palavras? Em nosso país, os jovens não entendem como o sr. estaria “fortalecendo a autoridade das Nações Unidas” desobedecendo-as, como estaria lutando pelo futuro dos iraquianos despejando toneladas de bombas sobre suas cabeças e insiste em citar a Bíblia e usar o nome de Deus mesmo depois que o próprio Papa mandou você calar a boca.

Como você concilia essa matança feita em seu nome e sua decisão de ter aceitado Cristo em sua vida (“Minha fé me ensinou que a vida é um presente de nosso Criador”)? Nossa juventude não viu a lógica de sua fé na alternância de massacres e ajuda humanitária e não entende como, depois que o mundo todo se mobilizou e se uniu a favor da América contra os atos terroristas, você conseguiu a façanha de converter essa solidariedade em repulsa e a união em dissidência. Quem é o seu deus? Eu não sou jovem, mas só hoje, ao vê-lo aplicado por você, compreendo plenamente o terrível significado do slogan totalitarista transcrito por Orwell no clássico 1984:

“Guerra é paz.
Escravidão é liberdade.
Ignorância é força.”


É hilário saber pela imprensa (que tardiamente tornou-se antibelicista: quando o desastre era iminente fez da contagem regressiva um evento pirotécnico e só protestou quando a invasão já estava consumada e repórteres morriam acima da média) que Saddam construiu um regime “baseado no terror e nos laços de sangue”. “Quando ele eliminava um potencial rival, freqüentemente cuidava para que sua família inteira fosse morta também, a fim de evitar o perigo dos parentes vingativos”, disse o repórter, palavras com as quais você concorda ou que seu gabinete simplesmente ditou para ele. E o que fez você para vingar-se do homem agora responsabilizado pelo ato de outro? Não castigou não apenas os parentes do líder iraquiano, mas toda a população das metrópoles onde morava? O que terá acontecido com seu serviço de inteligência, presidente, cuja eficiência é tão decantada pela mídia e Hollywood, mas cujos agentes foram incapazes de destituir um homem dito odiado pelos próprios súditos que o cercavam?

Como os EUA pretendem seguir os movimentos de Saddam em seu deslocamento pelo mundo se nem sequer encontraram as gigantescas fábricas de armas químicas fixadas em solo iraquiano, se seus agentes sequer conseguem rastrear a origem das fitas que chegam à Al Jazeera regularmente, bem debaixo de seu nariz? Sua ambição já o conduz ao encalço de outros déspotas. Talvez circunstâncias especiais o façam esquecer-se deles em breve, como esqueceu-se de Bin Laden, cuja captura você dizia ser seu único objetivo quando uma fuga do Afeganistão parecia impossível.

Lembra-se de sua pressa em invadir o Iraque antes de os inspetores terminarem o trabalho? Você até hoje não explicou qual ameaça imediata Saddam representava que impediria a espera de mais 1 mês por um relatório conclusivo. O próprio desfecho da crise provou que Saddam não estava preparado para agir. Daqui, a impressão que tivemos é que você temia que os inspetores acabassem por concluir que as únicas fábricas de armas químicas são as que os ingleses construíram duas décadas atrás. Depois do país destruído, seria fácil dizer que as provas foram igualmente pelos ares.

Sua teoria é de que o povo iraquiano era refém de um fora-da-lei. Mas a regra não é nunca pôr em perigo vidas inocentes? Por que não foi adotada no Iraque? Então, por que essa sua nova e eficaz política não é usada para acabar com os seqüestros dentro dos EUA?

Assim, bastaria aos cops ou à ATF dinamitar os seqüestradores junto com os reféns, deixando a equipe de limpeza e os bombeiros terminarem o trabalho dos esquadrões de elite. Que tal usar seus mísseis para acabar com os chefões do crime organizado e do tráfico de drogas em Nova York? Por que então não liquidar logo os líderes cubanos, chineses ou somalis, que notoriamente desrespeitam os direitos humanos que você tanto preza? Talvez por Cuba estar demasiado próxima de você, a China não estar tão enfraquecida e possuir armas de verdade, e os únicos espólios da Somália serem conflitos étnicos, fome e miséria.

A exposição de prisioneiros de guerra americanos pelo Iraque trouxe à baila a Convenção de Genebra, que você evoca sempre que seus homens são capturados, nunca quando eles capturam inimigos. Mas se os Estados Unidos são a favor da legalidade e isonomia internacionais, por que você votou contra a criação do Tribunal Internacional, que, depois de criado, foi pressionado a dar imunidade aos americanos? Nenhum código ou convenção militar trata da imoralidade em ordenar soldados a matar-se uns aos outros por capricho de seus líderes, mas o de Genebra parece deter-se na exposição pública de prisioneiros de guerra. Quer dizer, segundo a ética internacional é proibido exibir soldados capturados; matá-los em ação pode. Ao tentar atingir o líder iraquiano, vocês mataram e aleijaram crianças e mulheres (“efeito colateral”). Por serem juízes do mundo, vocês nunca serão punidos. E afinal, Saddam é um “alvo legítimo”. Agora, como vocês pretendem julgar seus franco atiradores (aqueles que invadem escolas e restaurantes e saem atirando em todo mundo) se esses loucos alegarem que tinham “informações confiáveis” de que Saddam se escondia nalgum desses prédios? Afinal, a morte de civis não é apenas efeito colateral e os 200 mil dólares por uma cabeça não legitima a caçada humana?

O que difere os seus ataques a centros superpovoados e atos terroristas (“Terrorismo: forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência”)? De que adianta seus mísseis terem precisão cirúrgica se sua carga devasta o quarteirão inteiro? Você parece ser um homem inteligente e tem armas igualmente inteligentes, sem dúvida. Melhor seria se também pudessem ser dotadas de sabedoria, mas mesmo você parece destituído disso. Você quer libertar o resto do mundo. É um idealista! Já perguntou se esse resto de mundo aprova seu método de libertação, que é jogando um milhão de mísseis sobre residências, asilos, creches, hospitais, templos e museus? Já lhe ocorreu que há quem possa preferir a ditadura doméstica à de Washington e seus aliados? Veja o caso dos afegãos. Livre do Talibã, hoje volta a sofrer nas mãos dos selvagens da Aliança do Norte, igual acontecia antes da chegada da Al Qaeda, talvez pior agora, com as represálias. “Escravidão é liberdade.”

Não duvido de que o Iraque produzisse e estocasse armas mortais para fins bélicos. Até porque deve ser material fornecido pelos próprios militares americanos e ingleses, dada a veemência de suas acusações. Um dos laboratórios fotografados pelo satélite espião mais tarde revelou-se ter sido patrocinado pelo governo Tatcher, e acho que não foi para ajudar nas pesquisas contra o câncer ou a Aids. Se de fato for levada adiante sua intenção de perseguir líderes assassinos espalhados pelo mundo, inevitavelmente os rastros de sangue levariam seus homens de volta à Casa Branca.

Todos concordamos que o Iraque teria de ter sido impedido de produzir tais armas. Mas por que vocês podem? É possível que a América esteja reivindicando direitos autorais sobre a destruição em larga escala, patentear o terror? Com que autoridade moral você exigiu que o Conselho de Segurança fiscalizasse o arsenal alheio se não permitiu a entrada de inspetores nas fábricas americanas? Por que o mundo estaria a salvo com a concentração e controle do poder atômico nas suas mãos? Assim como há fundamentalismo em todas as religiões, a insanidade não é característica exclusiva de muçulmanos, da qual os líderes ocidentais estariam imunes. Todos são farinha do mesmo saco, e se hoje o mundo vive ameaçado por ogivas nucleares e armas químicas e biológicas é porque os EUA as criaram.

In: Portal Comunique-se

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Carta escrita na madrugada de 10 de abril de 2003, o dia seguinte ao da tomada do coração de Bagdá. A “open criticism” ― um desabafo contra a pusilanimidade, a hipocrisia, a prepotência e a barbárie ― foi gentilmente vertida para o inglês pelo professor e radialista Lívio Soares de Medeiros e remetida para president@whitehouse.gov, vice.president@whitehouse.gov, first.lady@whitehouse.gov e mrs.cheney@whitehouse.gov. Como Isaac Asimov, acredito que a única guerra que a humanidade deveria permitir é a "guerra contra a extinção".

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Corporativismo Globalizado (2005)

Embora a revolução das telecomunicações proporcione liberdade, interação e aproximação até então somente imaginadas, os indivíduos e a Comunidade Internacional ainda se mostram cegos no reconhecimento das necessidades básicas do próximo, bem como das diversidades étnico-culturais. Vivemos numa sociedade Globalizada, mas incapaz de entender e respeitar os direitos Universais.

A globalização é o fenômeno do qual o establishment se vale para impor a Nova Ordem Mundial elitista. O fim da Guerra-Fria suscitou a formação de eficientes blocos comercias, com notáveis avanços econômicos, mas os contrastes sociais persistem e até se amplificam, pois o lucro agora advém cada vez mais de atividades não-produtivas ou ilícitas. Com a globalização, o que era bom sem dúvida melhorou (para alguns), mas o que era ruim parece ter piorado. De fato, enquanto especuladores novos-ricos passam a novos-bilionários, desempregados oriundos das indústrias automatizadas marcham rumo à crescente massa de novos-miseráveis.

Se o status quo é controlado em boa parte graças à desinformação disseminada pela imprensa, o pacto entre imprensa e governos é apenas a ponta visível da hiperpromiscuidade neoliberal. Segundo o diretor do Centro de Investigação sobre a Globalização, “o Pentágono é uma sucursal de Wall Street (...). A guerra destrói fisicamente o que não foi desmantelado através da desregulamentação, da privatização e da imposição de reformas do ‘mercado livre’”. (In: A Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial, de Michel Chossudovsky.)

O capitalismo pode ser bem-sucedido sem ser militarizado e sem que o homem seja rebaixado a mera fonte de lucro e objeto de exploração. Mais: uma sociedade globalizada em que há excluídos está destinada ao fracasso. O jornalista africano Alcino Louis da Costa, em discurso na Unesco, conclamou os países a enfrentar essa realidade, reordenar os debates e privilegiar o ser humano neste novo contexto. A entusiástica receptividade que teve o discurso do jornalista (ora representando o Senegal) é um indício de que é cada vez mais consensual a necessidade de as lideranças mundiais investirem em ações humanísticas que garantam o acesso dos pobres às atuais conquistas.

In: Site "Caros Amigos"


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ADENDO: “O número de bilionários nos EUA subiu de 13 em 1982 para 149 em 1996 e ultrapassou os 300 em 2000. O ‘Clube Global de Bilionários’ (com cerca de 450 sócios) é detentor de uma riqueza total que excede em muito a soma dos produtos internos brutos do grupo de países de baixo rendimento, com 59% da população mundial. A riqueza pessoal da família Walton, proprietária da cadeia das lojas Wal-Mart — a herdeira, Alice Walton, os seus irmãos Robson, John e Jim e a mãe, Helen — atinge mais do dobro do PIB do Bangladesh (33,4 bilhões de dólares), com uma população de 127 milhões de pessoas e um rendimento anual per capita de 260 dólares. “(...) O FMI calcula que os bens offshore de empresas e de indivíduos atinjam os 5,5 trilhões de dólares, cerca de 25% do rendimento total mundial. “(...) A receita das organizações criminosas transnacionais (OCTs) é da ordem de um trilhão de dólares, montante equivalente ao PIB do grupo de países com baixo rendimento com cerca de 3 bilhões de pessoas. (...). Segundo um observador, ‘os grupos de crime organizado têm um melhor desempenho do que a maioria das empresas do índice Fortune 500 [...] com organizações que se assemelham mais à General Motors do que à tradicional máfia siciliana’.” (CHOSSUDOVSKY.. A Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial)