sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Corporativismo Globalizado (2005)

Embora a revolução das telecomunicações proporcione liberdade, interação e aproximação até então somente imaginadas, os indivíduos e a Comunidade Internacional ainda se mostram cegos no reconhecimento das necessidades básicas do próximo, bem como das diversidades étnico-culturais. Vivemos numa sociedade Globalizada, mas incapaz de entender e respeitar os direitos Universais.

A globalização é o fenômeno do qual o establishment se vale para impor a Nova Ordem Mundial elitista. O fim da Guerra-Fria suscitou a formação de eficientes blocos comercias, com notáveis avanços econômicos, mas os contrastes sociais persistem e até se amplificam, pois o lucro agora advém cada vez mais de atividades não-produtivas ou ilícitas. Com a globalização, o que era bom sem dúvida melhorou (para alguns), mas o que era ruim parece ter piorado. De fato, enquanto especuladores novos-ricos passam a novos-bilionários, desempregados oriundos das indústrias automatizadas marcham rumo à crescente massa de novos-miseráveis.

Se o status quo é controlado em boa parte graças à desinformação disseminada pela imprensa, o pacto entre imprensa e governos é apenas a ponta visível da hiperpromiscuidade neoliberal. Segundo o diretor do Centro de Investigação sobre a Globalização, “o Pentágono é uma sucursal de Wall Street (...). A guerra destrói fisicamente o que não foi desmantelado através da desregulamentação, da privatização e da imposição de reformas do ‘mercado livre’”. (In: A Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial, de Michel Chossudovsky.)

O capitalismo pode ser bem-sucedido sem ser militarizado e sem que o homem seja rebaixado a mera fonte de lucro e objeto de exploração. Mais: uma sociedade globalizada em que há excluídos está destinada ao fracasso. O jornalista africano Alcino Louis da Costa, em discurso na Unesco, conclamou os países a enfrentar essa realidade, reordenar os debates e privilegiar o ser humano neste novo contexto. A entusiástica receptividade que teve o discurso do jornalista (ora representando o Senegal) é um indício de que é cada vez mais consensual a necessidade de as lideranças mundiais investirem em ações humanísticas que garantam o acesso dos pobres às atuais conquistas.

In: Site "Caros Amigos"


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ADENDO: “O número de bilionários nos EUA subiu de 13 em 1982 para 149 em 1996 e ultrapassou os 300 em 2000. O ‘Clube Global de Bilionários’ (com cerca de 450 sócios) é detentor de uma riqueza total que excede em muito a soma dos produtos internos brutos do grupo de países de baixo rendimento, com 59% da população mundial. A riqueza pessoal da família Walton, proprietária da cadeia das lojas Wal-Mart — a herdeira, Alice Walton, os seus irmãos Robson, John e Jim e a mãe, Helen — atinge mais do dobro do PIB do Bangladesh (33,4 bilhões de dólares), com uma população de 127 milhões de pessoas e um rendimento anual per capita de 260 dólares. “(...) O FMI calcula que os bens offshore de empresas e de indivíduos atinjam os 5,5 trilhões de dólares, cerca de 25% do rendimento total mundial. “(...) A receita das organizações criminosas transnacionais (OCTs) é da ordem de um trilhão de dólares, montante equivalente ao PIB do grupo de países com baixo rendimento com cerca de 3 bilhões de pessoas. (...). Segundo um observador, ‘os grupos de crime organizado têm um melhor desempenho do que a maioria das empresas do índice Fortune 500 [...] com organizações que se assemelham mais à General Motors do que à tradicional máfia siciliana’.” (CHOSSUDOVSKY.. A Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ricos são estrelas em palcos de tragédias (2001)

Especial para a "Folha Patense"

Enquanto o Furacão Andrews (EUA) agita as primeiras-páginas, o impacto dos 7,6 graus Richters de um terremoto na Índia alcança apenas meia página no miolo do jornal; na edição seguinte, um rodapé absorve a energia remanescente. Na TV, idem. Uma catástrofe com milhares de vítimas é citada laconicamente, sem editoriais, sem correspondentes, sem cobertura dos resgates. Os dramas indiano, indonésio ou filipino dão lugar ao futebol tupiniquim e ao choque de trens na Alemanha. O gráfico* abaixo demonstra que o critério que elege uma notícia não releva a natureza da tragédia ou seu número de vítimas.


Dois grandes desastres naturais e um bélico são praticamente ignorados (faixas verdes), em contraste com a fama obtida por fatos similares mas incomparavelmente menores: 2% do universo de mortes.

A importância do assunto é diretamente proporcional ao status de cada país. Os casos mais divulgados (faixas negras) coincidem com as bandeiras das prima-donas inglesa e americana.

Um oficial americano, sobre as baixas de ambos os lados na Guerra do Golfo, declarou à imprensa, segundo me lembro, que “100 mortes iraquianas não pagariam 1 única perda  americana”. Manchete do jornal britânico “The Times”, na década de 30, ilustra esse histórico desprezo: “Pequeno terremoto no Peru. Apenas alguns mortos”.

Leia o gráfico à luz da experiência que o médico italiano Pierludovico Ricci compartilhou com seus alunos em 94, uma segunda-feira. Ele autopsiou os corpos de Ayrton Senna, morto no domingo, e Roland Ratzenberger, morto 1 dia antes na mesma pista. “Ricci não usa luvas quando trabalha. Os estudantes costumam dizer que ele ‘não acredita em vírus’. Quando chegou à classe naquele mesmo dia, no próprio prédio do IML, estava com as mangas de seu avental ainda sujas de sangue. O tema da aula foi ‘ética na medicina’. Ele estava indignado com a diferença de comportamento das pessoas com quem conversou nestes dias  – todas falando de Senna, nenhuma de Ratzenberger.

“Para ele, o que se viu foi uma demonstração de ‘uma morte série A e uma morte série B’. E pediu aos estudantes que jamais em suas carreiras façam qualquer diferenciação entre pacientes ricos e famosos de outros pobres e desconhecidos”.

O escritor Carlos Heitor Cony debruçou-se em estimativas de mercado apontadas pelo economista Samuel Fankhauser, constatando: “A vida de um norte-americano está valendo um milhão e meio de dólares. A vida de um brasileiro, US$ 150 mil. Dez brasileiros valem um americano. Daqui a 20 anos um brasileiro valerá 5% ou 3% de um americano. As elites raciocinam como o economista inglês: um brasileiro do eixo Sul-Sudeste vale dez vezes mais o preço de um nordestino ou de um excluído que habita as favelas das grandes cidades.”

A opinião pública ignora o assassinato diário de civis japoneses na II Guerra, vítimas do ódio da Inglaterra e dos Estados Unidos ao vingar-se do massacre de militares ordenado pelo Alto Comando japonês. Uma carnificina justificaria outra? As seqüências de ataques no Japão seriam condenadas como crimes de guerra se a ofensiva fosse contra cidadãos americanos e ingleses ou se esses países tivessem sido derrotados e, naturalmente, julgados. Aplicando a semiologia do Dr. Ricci aos dados aqui apresentados, concluiremos que os mortos japoneses são das séries E e F pra cima! Eis a narrativa, de Gordon Thomas e Max M. Witts, de um só ataque aéreo à superpovoada capital nipônica. A 10 de março de 1945, da 0h30 às 3h30, a operação “Meetinghouse” despejou, de 325 superfortalezas aéreas, 2 mil toneladas de bombas incendiárias em rasantes sobre Tóquio. Meia hora antes, à meia-noite, 12 aviões-guia, com bombas de magnésio, napalm e fósforo, desenharam um quilométrico X luminoso sobre a cidade adormecida.

“Tóquio estava imersa na escuridão... Os B-29 começaram a bombardear sistematicamente a capital japonesa ao longo dos braços do X que aviões-guia haviam assinalado. Os pilotos americanos tinham a impressão, no dizer de um deles, de que estavam voando ‘no inferno de Dante’. A turbulência do incêndio erguia os gigantescos bombardeiros por dezenas de metros, sugando-os em seguida para baixo. Os aviadores ficaram enjoados com os solavancos. Depois, uma nova sensação fê-los vomitar: o mau cheiro de milhares de corpos em chamas... Em 3 horas, aproximadamente 250 mil prédios foram destruídos, numa área de 40 quilômetros quadrados. As chamas eram uma pira fúnebre para cerca de cem mil almas”.

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Uma população equivalente à de Patos de Minas sacrificada sob indescritíveis 680oC, e o Primeiro Mundo não dera chiliques como nos recentes epítetos: “O Horror”, “Inferno”, “Terror War”, “Espetáculo de Barbárie”, “Pânico na América”, “Luto no Império”, “Devastação”, “Infâmia”. Os milhares que não foram carbonizados ou que simplesmente não viraram gás, jogaram-se em rios fugindo das chamas, morrendo na água fervente e obstruindo os canais com seus corpos. Mais de 100 mil homens, mulheres e crianças, aniquilados numa madrugada por americanos e ingleses! E as manchetes se calam, só cabendo protestos contra as V-2 que os nazistas atiram em Londres. A histeria não tem limites: Tóquio é atacada mais seis vezes consecutivas, quando a cidade ainda ardia com os incêndios anteriores. Os bombeiros, até então resistindo não se sabe como, desistem, “ante a impossibilidade de conter o fogo”. Já o inimigo, só descansou quando 98% da metrópole foram destruídos!

Fiquei ainda mais impressionado quando soube que o holocausto repetiu-se em Kawasaki, Shizuoka, Nagoia, Osaca, Hitachi etc., num total de 69 cidades arrasadas. Hiroshima e Nagasaki foram reservadas para o último ato, a fim de que nenhum fator interferisse nas análises da experiência atômica. Ambas só chamaram a atenção do Ocidente graças à “sensacional descoberta nuclear” anunciada – e porque marcaram o fim da II Guerra Mundial.

Em média, sobraram 36% das 30 principais cidades atingidas. Em Tóquio, Kobe e Okinawa somaram-se 361 mil corpos, exatamente o triplo dos números produzidos pelas duas bombas. Você já ouviu falar de alguma dessas operações ou do precedente em Hamburgo, denominado cinicamente “Operação Gomorra”? E, no entanto, ninguém desconhece as desgraças de Titanic e Pearl Harbor (ver quadro), este último, alvo estritamente militar. Por quê? Censura ou parcialidade?

As TVs americanas, por ordem do comandante Bush, agora vão “filtrar” as declarações de Osama bin Laden, sob o pretexto de evitar mensagens subliminares. Talvez seja verdade. Mas a Internet não seria o meio preferencial e mais eficaz? E como saberão quais palavras vetar se as mensagens supõem-se codificadas? Você crê que fundamentalistas islâmicos ligados ao terrorismo ficam sentados esperando a “transubstanciação via cabo” do seu chefe no telejornal ou no humorístico “Saturday Night Live” antes de trabalhar? E quando, no caminho inverso, se faz necessária uma contra-informação urgente para os líderes terroristas ou um pedido de aumento das comissões de venda do terror se o procuradíssimo séquito não tem trânsito pelos plantões dos diversos canais? Aos afegãos, por exemplo, sequer é permitido ligar o rádio. Mais suspeito ainda: o serviço de Inteligência, sendo capaz de decifrar tais supostas mensagens, não anunciaria que iria fazê-lo e, conseqüentemente, cortar aquela fonte, deixando de interceptar mais informações preciosas. Faria isso secretamente e permitiria a transmissão das mensagens, surpreendendo a ação do inimigo. Foi assim que os Aliados derrotaram as forças do Eixo e libertaram a Europa. Mais sensato é acreditar que os motivos do boicote sejam outros, tais como esses trechos do primeiro discurso de Bin Laden:

“Um milhão de crianças inocentes estão morrendo neste momento em que falamos, mortas no Iraque sem culpa alguma. Não ouvimos nenhuma denúncia, nenhum édito dos dominadores hereditários. Mas quando a espada caiu sobre os Estados Unidos depois de 80 anos, a hipocrisia ergueu bem alto a sua cabeça... Numa nação situada no extremo do mundo, o Japão, centenas de milhares, jovens e velhos, foram mortos, e isto não é um crime mundial.

“Mas quando pouco mais de dez (americanos) foram mortos em Nairóbi e Dar-es-Salaam, o Afeganistão e o Iraque foram bombardeados e a hipocrisia ficou atrás da cabeça dos infiéis internacionais, o símbolo do paganismo no mundo moderno, os Estados Unidos e seus aliados.”



(*) Quando da publicação da matéria o número de vítimas no ataque ao WTC (2.819, oficialmente) ainda era desconhecido (N. do A.).

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FONTES: “A Segunda Guerra Mundial”, no 123 (Editorial Codex S.A), 1965/66; “Folha de S.Paulo”, 1945-1994/98; “A Bomba de Hiroxima” (Círculo do Livro), 1977.